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terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Choupos e não só. Em Lisboa e não só.


Por António Bagão Félix, in Público (16.1.2017)

Já no Inverno caíram as suas últimas e resistentes folhas, depois de uma suave passagem do verde desmaiado ao amarelo pálido. Refiro-me ao choupo (ou álamo, em versão mais espanholizada), uma das mais belas árvores outonais, só superada pela Ginkgo biloba.

Este serôdio Outono, das folhas pintadas pela natureza e do seu convite policromático para a anual revivescência, passa ao lado de muita gente. Já o notável naturalista Henry Thoreau (1817-62) dizia que “a maioria parece confundir folhas que mudam de cor com folhas secas, como se confundissem maçãs maduras com maçãs podres”.

A nomenclatura botânica de Lineu associou-a à árvore do povo (Populus, que quer dizer do povo), uma espécie de genérico da árvore comum na Antiga Roma, um verdadeiro “vulgar de Lineu”. Foi uma das árvores que simbolizaram a liberdade na Revolução Francesa e, também, na Americana. Os franceses baptizaram-na afrancesando o nome taxonómico para peuplier, mantendo assim a ligação ao povo.

O choupo é nosso vizinho em muitas cidades e vilas. Em grupo, faz parte do acervo do fado de Coimbra através de Zeca Afonso: “Do Choupal até à Lapa foi Coimbra meus amores”. Mas, nas últimas décadas, tem sido sucessivamente marginalizado e substituído por outras companheiras bem mais pródigas em flores e sedução. É mesmo uma das árvores que, agora, mais estimulam o apetite pelo arboricídio urbano.

Tem vigorosas e cabeladas raízes e, em algumas das suas espécies, faz-se acompanhar por fartos rebentos de toiça. Por isso, passou a ser uma mal-amada na calçada portuguesa face à força serpenteante e espraiada das suas raízes. Outra razão para serem pouco consideradas tem a ver com as suas flores em forma de amentilho e frutos, espalhados abundantemente pelo vento numa espécie de penugem conhecida por lã seminal que estará na origem de muitas alergias primaveris.

Mas torno à sua beleza. Sobretudo do choupo-tremedor (Populus tremula, L.), de pequenas folhas elegantes e ligeiras, glabras. Gosto de as ver agitadas pela brisa, num sereno baile afinado de movimentos ritmados, entre luminosidade e sombra, cambiando de posição em função da aragem que corre, num jogo de luzes e cores digno de um impressionista como Renoir.

E o ritidoma, sobretudo do choupo-branco (Populus alba, L.), é uma espécie de ardósia vegetal para juras de amor, ainda que se deva dizer, em abono da verdade, que a árvore, às vezes já bem vetusta, conserva no seu tronco votos de fidelidade durante mais tempo do que o tempo de união dos ajuramentados.

Além da beleza outonal (e não só), o choupo veio à baila neste meu texto, por causa da justa preocupação de pessoas e organizações (como a Plataforma em Defesa das Árvores) que denunciaram e se insurgiram contra o abate de venerandas árvores (em particular, choupo-negro, Populus nigra L.) na Avenida Fontes Pereira de Melo, Lisboa, em resultado da requalificação do chamado Eixo Central.

Agora que as referidas obras estão praticamente concluídas, e embora lamentando o abate de algum património arbóreo (árvores idosas e juvenis não são a mesma coisa), acho que os amantes das árvores, como eu, ficaram a ganhar. Mantiveram-se espécies significantes (como as tipuanas na Praça do Saldanha) e aumentou-se significativamente o número de árvores. Segundo o que foi noticiado, passará a haver quase 900 árvores em vez das até agora menos de 200, e com maior diversificação: entre outras, jacarandás, algumas espécies de Prunus, Koelreuteria, freixos, plátanos e tipuanas. Excelente!

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