emdefesadasarvores@gmail.com

quinta-feira, 14 de setembro de 2017

Queixa enviada ao Ministério Público


Janeiro de 2015            Setembro de 2017


Exma. Sra. Procuradora-Geral
Doutora Joana Marques Vidal

Vimos apresentar ao Ministério Público factos que nos parecem desconformes à lei, de lesa-património monumental e prejudiciais ao ambiente e, consequentemente, à qualidade de vida dos cidadãos de Lisboa.

Temos reserva quanto aos procedimentos que conduziram à autorização de abate de uma árvore classificada - um lódão bastardo monumental (Celtis australis) - no Jardim Alfredo Keil, na Praça da Alegria. Jardim esse que possui um conjunto recentemente (re)classificado (Despacho n.º 7892/2017) de nove árvores notáveis constituído por uma Ceiba speciosa, uma Ceiba crispiflora, dois Metrosideros excelsa, dois Celtis australis, duas Erythrina crista-galli e uma Washingtonia robusta. O que faz dele um lugar absolutamente único e no qual qualquer intervenção, estando no perímetro de segurança de árvores classificadas, deve ser escrupolosa e sujeita a autorização do ICNF.

Do enquadramento histórico:

1. Anteriormente, neste jardim existiam seis lodãos classificados como conjunto de interesse público.

2. Em 2000 foi pedida a desclassificação, alegadamente porque alguns destes lódãos estavam doentes e eram perigosos. Nessa altura, desclassificaram todos e abateram-se três. Mantiveram-se outros três.

3. Em 2014 a CML fez novo estudo fitossanitário, sendo que a JF de Sto. António já era responsável pela gestão do arvoredo do jardim. Esse relatório determinou, entre outras coisas, o abate de um desses três lodãos remanescentes. É com base neste relatório que a JF decide, em 2015, podar os dois lódãos que restaram de um conjunto de seis.

4. Muito recentemente, o ICNF reviu a reclassificação das árvores do jardim e decidiu classificar o conjunto, em vez de manter as árvores classificadas isoladas. Como consequência, a área de protecção diminuiu.

5. Neste conjunto, agora classificado, incluem-se os dois lódãos bastardos, nomeadamente o que agora se pretende abater, exactamente - não sem estranheza - no momento em que o conjunto em que se insere é classificado de "interesse público". O lódão em causa estava já classificado individualmente, mas a sua protecção foi reconfirmada com a entrada em vigor, há poucos dias, de um despacho que classifica como de “interesse público” todo o arvoredo do Jardim Alfredo Keil (Despacho n.º 7892/2017).

Dos factos presentes:

6. Como já foi referido, este lódão monumental foi podado sem qualquer profissionalismo pela JF de Sto. António, em Janeiro de 2015, depois do abate de uma outra árvore sua vizinha. O ICNF, entidade a quem cabe zelar pela defesa de arvoredo classificado, não se pronunciou, abstendo-se de cumprir a lei que obrigava a atenção especial pela proximidade das restantes árvores classificadas do jardim, não havendo qualquer consequência sobre a JF.

7. A árvore ficou, a partir de então, descompensada e frágil, dado que foi severamente podada de um lado mas não de outro, e sujeita a doenças várias (ver fotografia 1).

8. Dois anos depois, esta semana, é anunciado o abate da mesma, autorizado pelos serviços da CML, tendo por base parecer do Laboratório de Patologia Vegetal do Instituto Superior de Agronomia, ao qual não tivemos acesso. O INCF nada obsta ao referido abate.

Afigura-se-nos que:

 9. O abate do lódão bastardo dois anos depois de uma poda sem expertise e ilegal, executada pela JF com a conivência da CML e do ICNF, resultou na fragilidade da árvore ao ponto de esta constituir hoje uma ameaça à segurança na via pública. Estes factos são graves em si mesmo, porque revelam igualmente uma prática reiterada na cidade de Lisboa: podas e intervenções negligentes e incompreensivelmente descuidadas que conduzem ao posterior aparecimento de problemas e desequilíbrios de que podem resultar doenças e riscos para a segurança pública, obrigando a posterior abate das árvores em questão.


10. Acresce que os relatórios fitossanitários que agora sustentam este abate não estão publicados e acessíveis aos cidadãos, como é de lei.

11. Há dolo da parte do ICNF que não defendeu, em devido tempo (2015 e agora), o cumprimento da Lei em matéria de classificação de arvoredo e agora não lhe resta outra opção se não a de assinar um atestado de óbito a património que ele mesmo classificou e que tem como obrigação defender.

12. Estranhamente, no mesmo local do abate surge agora um parque infantil pago com o patrocínio de hotéis vizinhos (ver fotografia 2), sendo que as obras estão já adiantadas. Não houve o cuidado em ajustar o plano de construção do parque infantil à pré-existência da árvore classificada. Esta prática, também ela reiterada na cidade de Lisboa, de conceber alterações no espaço público sem prévia consideração pelo arvoredo de grande porte revela-se atentatória do bem comum (sabendo, como sabemos, que árvores adultas têm funções vitais na qualidade de vida das pessoas: no ar que se respira, na regulação de temperaturas e ventos, etc.).

13. Mais estranho se nos afigura quando é mantido, no mesmo jardim, um outro lodão com um índice de inclinação bastante acentuado, sem que isso cause apreensão às entidades envolvidas.

Nestas circunstâncias, cremos estar perante um crime ambiental e de lesa-património com contornos pouco nítidos e de responsabilidades repartidas entre a JF Sto. António, a CML e o ICNF.
Posto isto, apresentamos queixa junto de V. Exa. por, em nosso entender, o ICNF não ter assegurado o cumprimento da Lei em matéria de classificação de arvoredo desde logo em 2015 e novamente agora, chamado igualmente a atenção para a "coincidência" entre este abate de património monumental de todos e a construção do parque infantil patrocinado por hotéis vizinhos ao Jardim.

Na expectativa, aceite os nossos melhores cumprimentos,
A Plataforma em Defesa das Árvores

1 comentário: